Dia nublado. Café da manhã.
- Filhinho, toma logo seu café que a gente vai visitar a filhinha de um amigo do papai que nasceu.
- Nasceu, foi? Como ela se chama?
- Maria P.
- Como as crianças nascem mamãe?
- Elas saem de dentro da barriga da mãe.
- E quem bota elas lá?
- Papai do céu.
- E onde ele guarda as crianças antes de colocar na barriga da mãe?
- No céu, filho. Depois a criança nasce, cresce, casa, fica velhinho...
- E morre?
- É... vai pro céu.
- Pro céu de novo?
- (risos). De novo.
- Então, criança vem do céu e velhinho vai pro céu...
- É filho. Agora se apressa que a mamãe quer ir logo conhecer a Maria P.
Dia nublado. Almoço.
- Filho, lembra daquela nenêm, filha da tia Val que nasceu doentinha? A Maria C.?
- A bem pequenininha?
- Isso. A Maria C. foi pro céu.
- Pro céu?! Mas ela era do tamanho da Maria P. , aquela que veio do céu.
- (olhos embargados). Eu sei.
- E criança vai pro céu, mamãe? Não é só velhinho?
- Deus chamou por ela.
- Pra quê?
- Pra ficar lá com ele e os anjinhos.
- Fazendo o quê?
- Brincando, filhinho.
- Mas ela não sabe falar, não sabe andar. É muito pequena! Como vai brincar? Tinha que ficar com a mãe dela mesmo.
(silêncio)
- Mãe, se Deus me chamar eu não quero ir. Não quero brincar com anjinhos. Acho até que tenho medo deles.
- Meu querido... os anjinhos são bons.
- Então porque eles levaram a Maria C.?
- Ah, filho. Você vai entender quando crescer. Ou não.
E acabou o apetite.
[“To vitimado no profundo poço na poça do mundo. Do céu amor vai chover. Tua pessoa Maria. Mesmo que doa Maria.”]
]“Vida louca. Vida breve. ”[